terça-feira, maio 27, 2014

EUROPA: PS VITÓRIA DE PIRRO. VER LEGISLATIVAS





Uma verdade crua e nua, esta vitória saudada no primeiros minutos como uma indiscutível ordem de varrer as regras para avançar com eleições antecipadas, eis uma derrapagem emocional sem pés nem cabeça. O grande partido que é o PS não ultrapassou os quatro pontos de diferença da coligação e esta, proporcionalmente, nem sequer foi ao fundo. Mas os nossos carnavais são assim, cabeçudos, repetitivos. Toda a gente sabe que o secretário geral do Partido Socialista continua, desde o início, agarrado a uma espécie de disputa propedêutica com a Aliança de governo, entre birras de bancada e discursos sem doutrina nem fundamentos estratégicos para um futuro verdadeiramente pós troyka, incluindo a reforma do Estado, coisa que Passos Coelho e Paulo Portas embrulharam numa lista de generalidades sem estudos adequados, espaços de interacção, organograma permitindo a viagem desses vários racords e a avaliação dos recursos, tecnologias, reforço da formação de quadros. Ainda bem que Paulo Portas chamou guião ao seu esboço: porque toda a gente sabe que um guião guia, raramente estrutura: nas artes do espaço e do tempo, o guião é transformado em projecto e na forma conjuntural de algumas ideias: pode ajudar a realizar o modo de formar e a própria forma estruturada que o projecto já anuncia.
Um trabalho assim não precisa de biliões de euros; mas tem de ser feito num grande espaço adequado a diversas escritas, sobretudo da informática e gabinetes de coordenação e estudo dos elementos quantitativos e qualitativos, entre actividades, conseguidos com antecipação.
Ora nada disso foi feito e os partidos disputaram, como legislativas, as eleições europeias, ficando todos, excepto o PCP, em má posição. José Seguro louvou o PS como nos velhos tempos e discursou mais uma vez sem ideias, nem qualidade formal, nem coisa nenhuma. Todo o percurso do PS nestes três anos foi prejudicado por esse personagem e os votos são expressivos de uma perigosa renúncia a um primeiro ministro com aquele perfil. Não fiquei espantado, no «noticiário da Uma», ouvir António Costa dizer que está na disposição de disputar o lugar de Seguro, tendo agendado um encontro leal com ele. Seria bom que esse percurso arrancasse e mudasse as neuras, antigas raposas, astenias e anemias. Ao contrário, talvez haja uma abstenção de terror.

sábado, maio 24, 2014

A EUROPA AINDA JUSTIFICA O NOSSO VOTO?

eurocracia


Diz um conceituado jornalista português:«Quantos ainda acharão que a Europa vale uma ida às urnas?»
Em boa verdade, este é um dos mais graves problemas que o país viveu nos últimos quarenta anos, desde aquelas horas, após catorze anos de guerra nas colónias, quando, em vez de descolonizar, abandonou quase de súbito, aos trambolhões e sem contrato sobre valores de toda a humanidade, os tais territórios reivindicados pelo mundo inteiro. Territórios que se chamavam eufemisticamente "Províncias Ultramarinas"e são hoje países a reemergir, tendo em conta a riqueza e as ajudas de novas massas de emigrantes (entre os quais, quatrocentos mil portugueses) para trabalhar, projectar e coordenar. São os novos colonos, sob novas leis e novas alcunhas: os portuga passaram a praga dos portugueses.
Mas voltemos à Europa (chamada agora, com cinismo, União Europeia) e às metamorfoses que vem sofrendo a senda terrorista da globalização.
As grandes potências que constituem hoje a União Europeia, todas antigas nações colonialistas, no melhor e no pior sentido, livraram-se muito  a tempo e com importantes compensações dos enormes territórios que exploravam, ainda hoje a funcionar de forma sorrateira e à distância, e depois da última guerra, em que a Alemanha, mais uma vez, perdeu as pretensões de governar o mundo por mil anos, as nações enfim desocupadas e o espírito dos países Aliados, sobretudo com os dólares do Plano Marshall, entenderam-se com um sentido de razoabilidade, partindo para a grande reconstrução das nações atingidas pelo conflito. A partir de maiores patamares da estabilidade, grandes personalidades do tempo, como Konrad Adenauer, Joseph  Bosch, Gaspari, entre vários outras, sobretudo Jean Monnet, Robert Schuman ou Willy Brandt, estabeleceram e lutaram por um decisivo projecto europeu, tendo em conta um sentido solidário entre os Estados, paridades de certos direitos estruturais. O peso da Alemanha, ou da França, ou da Inglaterra, desviaram da coesão necessária o quadro dos valores de consenso e, fustigando os países em dificuldades, em particular perante uma moeda (o euro) talvez mal construída,  mal usada e relacionada, fizeram centralizações de direcção (Alemanha), o que desarticulou a construção geral, a própria comissão, o poder do parlamento (orgão vital e de orientação de conceber e planear a base legislativa), entrando a região numa enorme crise económica e financeira, apesar do papel do Banco Central, países como Portugal sujeitos a resgates humilhantes e de duvidoso resultado futuro, tudo a depender da ganância especulativa dos credores escondidos atrás das histéricas agências de "rating" a manobrar os créditos a juros do inferno e códigos de jogos de computador.
Esta Europa, a realidade que nos resta, não é a que foi desenhada nos tratados de Roma. Desenvolveu-se em derivas imprevisíveis, pressões inesperadas, numa geral impreparação para corrigir desvios e novos tratados tóxicos. A memória, cultura e e novas perspectivas de desenvolvimento das várias nações integradas na UE mal percebem que estão cada vez mais aptas a aceitar conceitos alheios sobre economia, reajustamento, austeridade, cortes de toda a espécie, em nome de um futuro modesto mas pacífico. Ora não é isso que decorre do manejo dos juros entre grandes e pequenos países, decisões unilaterais, degradação do espírito e nobreza anteriores. A falta de resposta das políticas europeias aos problemas concretos que as famílias enfrentam todos os dias, incluindo pelo contexto político, atrai os grupos políticos de uma direita que aponta aos nacionalismos, e desfaz uma já mal desenhada federalização.
As eleições para o parlamento europeu passam por tratos de insensatez, desligando-se dos grandes debates sobre a Europa e remoendo quezílias de cada país, o que nos faz pensar na má qualidade das futuras prestações e sobretudo na incapacidade de fazer frente à xenófoba divisão norte/sul.
Diz hoje Miguel Sousa Tavares, na sua crónica do Expresso: «Talvez um dia a História desminta, mas, até lá, vou continuar a acreditar que o alargamento da Europa a Leste, até ao ingovernável conjunto de 28 países que hoje constituem a UE, foi um sábio plano premeditado pela Alemanha para, de duas uma: ou liquidar a UE, tornando-a ingovernável, ou tomar conta dela, sob o pretexto de ser ingovernável.»
Como votar? Para quê votar? Votar é um direito constitucional de escolha para a gestão dos países ou grupos de países, entre outras situações. Mas agora, em Portugal,  depois de uma terraplanagem e de um governo sem voz na UE, as listas para os  parlamentares europeus são ilegíveis, em certos casos mesmo impensáveis. Há muitos cidadãos que pretendem exercer o seu direito de voto anulando a escolha, abatendo a legitimidade do boletim. Mas o não-voto por abstenção, ainda que lamentável  por todos os que se vêem cercados de vazios, é também uma escolha: a percentagem abstencionista tem a sua leitura, terrí-vel mas legítima. Escolher numa lista entre várias, por mero descargo numérico e sem confiança, pode cuidar de certos perigos, mas nunca para uma boa solução, quando não há concretamente soluções por este método eleitoral, que os políticos sabem bem que já devia ter sido substituído, a bem do país e de todos os eleitos e eleitores.
Talvez não chova amanhã.

sexta-feira, maio 02, 2014

RUI MÁRIO: MORREU UM PENSADOR DAS ARTES


RUI MÁRIO

Quando me contaram não me ocorreu o que deveria dizer. Morrem os amigos e os que pensam sobre coisas que também nos movem. Um aneurisma, um assalto sem honra nem limite. Conheci Rui Mário na altura em que tinha já alguns anos de docência na antiga Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. E na SNBA. E na AICA. Escrevi nos mesmos jornais e revistas onde ele se exprimia como crítico de arte. Discutimos o fim e o princípio das artes, a escrita, a pedagogia neste âmbito. E um dia ele escreveu o único verdadeiro ensaio que alguém escreveu sobre a minha obra, no catálogo de uma exposição na Judite daCruz. Um dia, na Bucchholz, que ele então dirigia, tocou-me no braço, parou, olhou-me com grande precisão e disse-me: «Você tem ali um grande livro». Eu voltara de Angola e escrevi vinte anos depois um livro sobre a guerra em que participara. Era sobre esse livro que ele me falava. Era ao mesmo tempo sério e divertido, discutindo sobre arte com os dois tons no mesmo tom. Tinha o sentido da luta mas não da violência. E habitava as crenças maiores do século XX quanto à arte moderna.
Irmão de Eurico Gonçalves, outro grande amigo, licenciado em Ciências Físico-Químicas mas interessado desde muito cedo pelas artes plásticas. Dedicou-se à crítica de arte e desenvolveu, como professor de Estética, muitas iniciativas entre estudantes. Recebeu o Prémio Gulbenkian de Crítica de Arte, tendo colaborado nas melhores revistas nacionais, além de jornais. Leccionou também no Curso de Formação Artística da SNBA e trabalhou para a televisão e sobretudo na RDP (Antena 2). Foi membro da Sociedade de Gravura e do respectivo Conselho Técnico.
Das suas obras, podemos destacar "Pintura e Escultura em Portugal" | "O Imaginário da Cidade de Lisboa, 85 | "Dez anos de Artes Plásticas" - 1974-84. O seu currículo ultrapassa o limite desta sombra, deste resumo como perfil e memória. Lembrando as figuras que Rui Mário mais estudou, elas surgirão na sua companhia, daqui a algum tempo, amanhã, depois, mãos dadas a Dacosta, Almada, Amadeo, Cruzeiro Seixas.