segunda-feira, junho 28, 2010

AS TERRAS QUE NOS FALAM DE OUTRAS TERRAS

foto de Manel Armengol

Os cineastas que, desde cedo, procuram sugerir paisagens claramente de outros lugares noutros planetas, a fim de encenarem as cenas do nosso imaginário de encontros fora da terra, voos gravitacionais a planetas próximos ou longínquos da nossa galáxia, depois de uma longa investigação drecta e automática do sistema solar, procuram por vezes lugares como este. É um lugar que parece deserto e impróprio para a vida humana, não passa de uma paisagem, aliás deslumbrante, de certa zona da Islândia. Os trabalhos de produção de um filme naqueles termos exigem deslocações a sítios destes, registos, documentação, correspondências, o menos onerosas possível, relativamente ao projecto e determinadas se quências. Mas o que faz com que outros homens, sem qualquer função criativa, se aventurem a desbravar caminhos para terras assim, a montanhas inenarráveis, perdendo-se ou morrendo, chegando em muitas situações a pontos da Terra onde ninguém mais chegou? Esse é outro mistério: talvez simplesmente o desejode superação de obstáculos que caracteriza o ser humano. Talvez ainda, e por outro lado, a remota memória que há em nós todos de um paraíso, de um lugar fora do planeta, a quietude, a grandeza dos espaços, o anonimato dos seres. Há quem diga que os portugueses estão possuídos deste mal ou desta interior grandeza -- porque se espalharam por todas as terras que lhes evocam terras escondidas dentro de si. O enfrentamento, aliás metódico, dos oceanos pode ser um indício de uma transcendência que só há poucos anos estamos a escavar, através de telescópios colocados em órbita, e que, apontados a certas zonas do Universo, acabam por nos mostrar milhares de fotografias de acontecimentos colossais verificados há milhões de anos luz. A luz chega-nos entretanto de outras terras e já nos falam substancialmente delas. O mistério resta no próprio Universo, para o qual na há hipótese de explicação, nem mesmo pelo embate de partículas circulando no espaço negro. E circulando ou movendo-se porquê, para quê? Um padre disse que falara com Deus a esse respeito, ao que Ele teria respondido: «Não sei nada de Partículas. Isso são invenções do homem»

Ele também, como se sabe.

O MISTÉRIO INIMITÁVEL DOS ESPELHOS

foto de rocha de Sousa

Por vezes as imagens projectadas nos espelhos e reflectidas por eles parecem insinuar que todo aquele regresso da coisa enviada, é impossível, mesmo que virtual, e mais se assemelha a um mistério dos prestigitadores em sala de recreio, algo como se fazia há um século. Os macacos, seres de grande inteligência na escala darwinista, ainda não perceberam, embora já saibam agitar a sua própria imagem para que o seu homónimo o imite de imediato. Mas até isso é inimitável. E há momentos de impaciência, como acontece durante a aprendizagem humana, em que o macaco percebe o limite da imagem, espreitando à direita e à esquerda, passando mesmo para o outro lado do espelho, onde, estranhamente, nenhum irmão seu se encontra. Na guerra colonial, havia soldados que fitavam longamente as fotografias da família, da namorada, deles mesmos. E levavam muito tempo para se reconhecerem, presos de angústia quando o registo da sua imagem pertencia a um tempo recuado e eles eram outros, perdidos numa rua da aldeia ou levando fato de domingo para o alto dos penhascos. Alguns desses homens, mais sombrios e menos capazes de aceder ao sentido intemporal da imagem, isolavam-se na depressão e chagavam a suicidar-se. Aqui não, descansem os espírtos sensíveis: aqui vemos a coisa projectada e a imagem reflectida: são siamesas e não há ninguém que as separe verdadeiramente.

quinta-feira, junho 24, 2010

MANUELA, CONTRA SÓCRATES, DESAFIA JUSTIÇA

Manuela Moura, Guedes contra Sócrates,
desafia, pelo ex-jornal de sexta-feira,
a lentíssima justiça portuguesa

Este jornal da TVI, às sextas feiras à noite, com a apresentação encenada de Manuela Moura Guedes, era de facto truculento. Conheço desde há muito, através da televisão, a figura e a acção desta apresentadora e lembro-me do seu lado algo risonho e gracioso, inclusivamente a cantar numa festa da Estação. Fazia-se, para muitas pessoas, apresentadora de referência. E assim durou até uma súbita passagem do tempo, incidentes da natureza ou da vontade. Quando voltou aos ecrãs da TVI, parecia um pouco estranha, na fisionomia, mas sobretudo na forma de dizer. Não em tudo, com certeza´, mas de certeza no famoso jornal de sexta-feira, à noite, com o tempo todo para ela e um só assunto da política portuguesa: o governo socialista, o desgoverno do país, a inaceitável maneira de decidir do 1º Ministro, as obscuras relações dele com outros, o seu enleio na Freeport, numa licenciatura de «aviário», no desnorte das escolhas e na queda em crise, algo de perturbante, de mistura com o processo da «face oculta», cuja existência era bem antiga e até infligida pelos gastos de Gueterres, um homem brilhante que esteve, contudo, quase a afogar-se no pântano, donde se furtou a tempo e em nome das Grandes Causas. Durão Barroso, que calhou na sequência de poderes, fugiu antes de pronunciar a perigosa palavra pântano. Limitou-se a dizer que o país estava de tanga (ele também) e tratou de lutar para que o fizessem presidente da Comissão Europeia, onde se tem mantido, afrancesado, falando em inglês e metendo o português no bolso. Não era tanto o trabalho de Moura Guedes que feria a nossa sensibilidade, quer apreciássemos ou não José Sócrates: eram os esgares que fazia com todo o rosto, olhando de soslaio, em pausa, para acentuar um sentido pseudo-oculto do que acabara de dizer. Saramago concorreu com ela em questões mais sérias e numa simples entrevista: Deus havia cometido erros grosseiros e o caso de Caim empolgara o escritor de «Levantados do Chão». Devagar, nem sempre a ganhar, ele procurava levar a água ao seu moinho e descobrir que bispos usavam capachinho. O Presidente da Ordem dos Advogados foi questionado, no tal jornal de sexta, pela então já renovadamente famosa, Manuela Moura Guedes. O homem não é de ficar aterrado, fala em rajadas de velocidade apreciável, cala as interrupções vibrantes de Manuela Guedes, e diz coisas que o Pº Ministro nunca lhe disse: «o que a senhora faz não é jornalismo, não tem nenhuma dignidade, esboroa-se em ataques soezes e longe do mínimo respeito deontológico na dignidade dos actos públicos, profissionais, institucionais, com a postura a que devia aspirar». Ponho aspas para sinalizar o muito que esse senhor disse, a reprodução não é à letra, mas o sentido sim, além do muito mais que ele disse. Não houve réplica no outro número, Sócrates desceu ao proscénio, a face oculta, tudo isso mas nem tudo isso, porque os eventuais personagens dessa «Nova Ordem do Mundo» nunca eram citados por inteiro, a horas, em percentagem. Vejamos um pouco desta telenovela:

Sócrates: Acham que aquilo [o jornal sexta] é um telejornal? É um telejornal travestido feito de ódio e perseguição pessoal (...) A liberdade de imprensa quando é utilizada para injuriar está afinal a difamar essa liberdade.

Manurla M. Guedes: Não me senti incomodada por outros governos. (reagindo à pergunta)De alguma forma, mas eles são uns anjinhos, comparados com este Governo. Meu Deus do Céu, verdadeiros anjinhos»

Sócrates: Tenho tomado conhecimento da divulgação pela TVI de uma gravação contendo referências ao meu nome a propósito do caso Freeport e esclareço o seguinte: No que me diz respeito, essas afirmações são completamente falsas, inventadas e injuriosas».

Manuela M. Guedes: Sócrates não cala os jornalistas da TVI com ameaças e críticas. Tentou tirar credibilidade ao jornal mais visto pelos portugueses. Não vai conseguir e vai responder em tribunal.

E assim por diante, sem dizer chega. Sócrates defendeu-se com o direito que lhe cabe quando é objectivamente atacado pelos orgãos da comunicação social. Nem sempre o fará da melhor forma, mas o que lhe compete não é escrever colunas de resposta por tudo quanto e sítio (de má língua). O que me espanta, neste tricot à portuguesa é a volubilidade de tudo, a perda de tempo e de ideias, o lado tendencioso das colunas de jornais, das «colunas» das televisões. Falam em audiências e competitividade: é coisa que não há, porque começa por não haver bem cultural nem competência: como é que se concorre com outros publicando o mesmo que eles (mal) e à mesma hora? Como é que o jornal de sexta queria respeito das pessoas mais sérias se não fazia televisão séria, levantando (sobre os problemas de Sócrates e da Governação) questões de fundo, problematizando métodos, sistemas, relações económicas, concepções sobre o mundo e a globalização, entrevistando (sem medo da régie no último minuto) personalidades bem posicionadas sonre essas questões -- e mesmo sobre alguns comportamentos do 1º Ministro.

Anjinhos, Manuela? Quem são os anjinhos se você não batia as asas, batia os lábios?

sexta-feira, junho 18, 2010

JOSÉ SARAMAGO MORREU HOJE EM LANZAROTE


José Saramago, escritor português, Prémo Nobel da Literatura, morreu hoje em Lanzarote, ilha das Canárias onde decdira fazer lugar da sua ancoragem na altura em que mais se notabilizou. Há quem considere esta escolha uma ambiguidade derivada de algum ressentimento, enquanto outros a relacionavam com a naturalidade da sua mulher, espanhola, Maria José do Pilar, uma companheira que travava a sua batalha por ele, pelos natureza da sua escrita, da sua ficção, dos seus valores ideológicos. Partilhava com ele de uma certa concepção desértica do mundo, ou da incerteza quanto aos caminhos de Deus. Ou talvez me engane, porque estou a escrever em cima do acontecimento e sem fazer consultas que escrevam direito por linhas tortas esta minha quase brumosa sensação acerca daquele amor e de como Saramago se comportava nas nossas ribaltas, com um discurso cuja arquitectura não anunciava nada de salvador para o futuro da Terra e do Homem, duas dimensões que haviam surgido na obra do escritor marcadas pela dor e a par da força e da esperança no limitar de cada luta. Falou-se na resistência às mordaças sistémicas, nessa gente ao mesmo tempo mítica e humaníssima, vozes de uma planície agreste, de um destino de pedra -- os heróis inesquecíveis do livro (talvez o maior) LEVANTADOS DO CHÃO, peça em que o corte dos planos multplicam a memória do realismo na vida de fracturas de cada casa rasa, preço amargo de um sedentarismo abismal, por ali, por caminhos que terminavam entre pedras ou raízes inenarráveis.
Claro que sim, não há razão para menorizar o MEMORIAL DO CONVENTO, um texto que nos lembra a imagística fílmica de uma certa Idade Média fora da História, algo com a elegância e a vontade esforçada como acontece em muitos momentos do filme RUBLIEV, da Tarkovsky. Não porque Saramago se tivesse voltado para esse imaignário, para a litúrgica fundição daquele sino monumental, para outras estranhas vontades, gesta também que reinventa a fundação de Portugal pela refundação a tempo inteiro daquele projecto conventual, veredas carregadas de coisas e pessoas, entre artefactos e segmentos monumentais para estruturas e perder de vista, Blimunda vogando na vaga história do espírito, lenda e poderes de fábula, o balão que se esvazia e se afunda na relva, sustentado pelos risos de quem o navega, e que mais uma vez é parte inesquecível do filme há pouco citado.
Mas José Saramago não foi um Nobel indiscutível nem olhou para nós através do discurso na Academia Sueca, isso que tantos de nós viram e ouviram na face de Camus, em cerimónia igual, quinze minutos de humildade, grandeza de alma e vontade sisifiana de preferir ajudar os homens, seus irmãos, do que salvar-se num encontro com Deus.
Seja como for, a televisão não se esqueceu de nos dizer que Saramago se despediu do real de forma tranquila e serena, frase que traduz um epitáfio sem mancha.

Lanzarote depois do Nobel pode ser a
grande metáfora para depois de Caim

o símbolo carpinteirado e acre de um lugar

terça-feira, junho 15, 2010

ESCREVERAM NO PAPEL: ONDE VAMOS MORAR?

Graça Lobo

Usando as próprias palavras com que os ARTISTAS UNIDOS falam do espectáculo que baseiam em Beckett/Joyce, eis um espaço de fascínio e muitas imagens entretanto perdidas para a mordaça do consumo:

As palavras inconfundíveis de dois dos maiores escritores do século XX através de cartas, excertos, do monólogo de Molly Bloom ao monólogo de Lucky, uma visita demorada a dois dos grandes mistérios da literatura.

Com Gaça Lobo, Virgílio Castelo e Jorge Silva Melo; tradução de Miguel Esteves Cardoso, José Maria Vieira Menes, Jaime Salazar Sampaio.

integrado no Festival do Silêmcio, Instituto Franco-Português, quarta,16, 21,30, entrada livre