sábado, abril 25, 2009

25 DE ABRIL OU A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS


Acordei ao som da rádio, portas a bater, carros assustando a manhã. Um amigo telefona-me e dá-me a notícia: o tal movimento dos cpitães está na rua. O governo vai cair. Ainda lhe pergunto, sobreposto ao entusiasmo das vozes: E basta que esse movimento esteja na rua? Você tem assim tão grande fé? E ele, em perfeita bonomia:
Não é de fé que se trata, é de esperança. Eu, ainda ensonado: Ainda bem por nós todos. E a rua, como está? O meu amigo, impaciente: A rua desobedece às ordens de segurança, é gente e gente, talvez gente que não tem fé nem esperança, tem apenas a certeza.
E assim, ao abrir o rádio, uma voz convicta dizia: Aqui, Movimento das Forças Armadas.

quinta-feira, abril 23, 2009

OMNIA VANITAS OU A POLÍTICA VANDALIZADA


Há dias, na RTP1, depois do noticiário das 20 horas, uma Judite de Sousa irreconhecível, sem a sua habitual cordialidade e doçura, apesar da beleza que conserva, surgiu, ao lado do seu colega José Alberto Carvalho, pronta a assaltar liminarmente, superficialmente, o Primeiro Ministro, José Sócrates. É assim que tem acontecido um pouco por toda a parte, em nome da crise, em jeito de sátira, numa vandalização da ética jornalística, ou do debate, ou de qualquer tipo de análise, pró ou contra. Os personagens desta batalha na Assembleia da República, nos jornais, nos meios de comunicação audio-visual, além das manifestações a céu aberto e anfiteatros dos partidos políticos, salas das Casas do Povo e outras Associações Cívicas, todos eles se vangloriam de alguma razão de agravo, todos eles se hostilizam contra promessas que asseguram ter sido feitas pelo Governo e não cumpridas. O Governo, por seu turno, desincomoda-se tanto quanto pode, faz anúncios das medidas para suster a crise, o maior desastre do capitalismo desde as primeiras décadas do século XX, incluindo obviamente a aberrante teoria do livre funcionamento dos mercados, como se os homens fossem iguais e igualmente honestos, santos, rectos nas trocas e na hora de pagar as trocas. Pois aquela senhora, que sempre tenho apreciado e faz um bom trabalho de casa, estava agressiva, desordenada, o José Albeto, à direita, um pouco menos, e o Primeiro Ministro, interrompido a todo o instante, à direita e à esquerda, dedilhando as suas cábulas, as suas fichas, os seus números, entre miríadas de constelações cénicas ou retornos de uma finança esfrangalhada, de um mundo que continua a mitificar-se, apesar dos erros de assombro cometidos por grandes senhores da Banca em todo o mundo, das sua megalomanias sobre inúteis crescimentos, epopeias de roubos, espaços devastados por negociatas sem nome, produtoras de assimetria e pobreza, ou ainda sob o fedor de instituições que mais parecem cloacas dos mais danados vampiros, paraísos fiscais, buracos negros que abocanham quase toda a riqueza excedente da labuta tóxica, entre gases capazes de sufocarem o próprio planeta dentro de meia dúzia de séculos.
Toda a entrevista/debate atirada a José Sócrates foi um ensaio de como não se faz aquele trabalho, nem no tom, nem no método, nem no implícito sectarismo. A defesa do Primeiro Ministro acabou por se parecer com esse jogo, pois tinha que manter a articulação da fala e do pensamento a despeito das interrupções muitíssimo frequentes, fúteis, a mostrar o desejo de driblar o adversário, provocando-lhe um entorse ou a queda, por forma a estragar-lhe a resposta. E depois o que queriam e o país profundo já vomita, entre pesadelos de incompreensão: o caso Freeport e a excitação das insinuações sobre a alegada corrupção daquele político na questão das licenças em golpe de cunha e de fortes luvas pagas em prestações. Mesmo que se queira perceber esta franja de pequenas e grandes manias, após tanta sufocação em pús pelo mundo inteiro, qualquer cidadão derrapa entre incertezas, a corrupção da corrupção é um terrível teatro impróprio para o futuro e sobretudo para o enorme trabalho em câmara lenta da Justiça que nos julga, processos de décadas, crimes correndo pelas redes que os Procuradores mal suportam na carga de códigos contraditórios.
A certa altura (e eu percebo), o Primeiro Ministro, de tanto satisfazer a fome dos interlocutores por maldades escondidas, desatou a «sticar» em várias esquinas e foi encalhar naquele noticiário das sextas feiras, na TVI, onde efectivamente qualquer espectador pode perceber a vã sabedoria (ali tão desaproveitada) de Vasco Pulido Valente e o desprendimento grosseiro, sarcástico, da apresentadora atrapalhando o trânsito, tudo muito perto do insultuoso, brejeiro, alienante, aspectos de uma profissão que sabe o que é a liberdade de expressão. Ora isso (que é bem grave)
é agora espaço de virtudes sussurradas no noticiário pelo Director Eduardo Moniz, um homem que se acolhe sobre vitrais e tem o despudor de declarar qualidades e direitos num organismo vergado ao dinheiro e ao embuste das programações, conteúdos, no pior desentendimento da acção comunicativa, cultural e cívica, bem distribuída pelo tempo e no espaço. É assim, ele próprio, o profissional impoluto que reivindica, orando, encostar o Primeiro Ministro à parede por ter tido menos cortesia do que habitualmente demonstra. Quem é que se salva de uma coisa destas, 50 minutos, excluindo o futebol, rajadas com balas acima da simulação, pré-acusatórias de mil desastres na governação. A acção que Sócrates moveu relativamente a um jornalista, em situação que não conheço em detalhe, é agora superada pela vandalização da ética para a televisão e pelo jogo em redor: só falta chamar como testemunha Manuela Ferreira Leite, do PSD, que garantiu perante as câmaras ser o Primeiro Ministro «o coveiro da Pátria». É um emprego que alguns políticos mudos não teriam desvontade de aceitar, logo que bem remunerado e dotado de assessores.

segunda-feira, abril 13, 2009

A FALA CORTANTE NA URGÊNCIA E FORÇA DA ARTE




parte da Instalação «Ghost»
da franco-argentina Kader Attia
O discurso desta intervenção artística (The Saatchi Galery) cai sobre nós com o fragor da sua insolência e das alegorias sem mordaça. Há figuras humanas envelhecidas, lassas ou em letargia profunda. Corpos em cadeiras de rodas, ou alinhados na prece totalitária. Os velhos sentados, rodando devagar, são por vezes reconhecíveis como líderes do nosso tempo. Nas suas cadeiras robotizadas, que nunca se tocam programaticamente, os personagens inquietantes parecem interpretar no espaço uma corografia da perfeição e do medo, a perfeição do caos, o caos da nossa alienação progressiva. Aos espectadores é conferida a faculdade de observar esta circularidade e percursos contraditórios em plongé ou articulando passos hesitantes no centro da acção, de forma garantida e sem choques: uma anunciação da tecologia directiva que também nos manieta, entre milagres de morcego, desastres impossíveis, mas tudo a inspirar o pavor de devir, dos sonhos substituídos.
No texto de Cristina Margato, enviada especial a londres para cobrir este acontecimento, podemos ler que a peça «Old Persons Home» é uma possível metáfora de um mundo político sujeito a leis e interesses pouco transparentes. Concebida por dois artistas Chineses, San Yuan e Peng Yu, obra também pode ser conotada como paródia à morte das Nações Unidas, sugerindo a forma como o Ocidente olha outros universos religiosos e culturais, como o islâmico.
Cristina Margato chama a atenção que estamos a 20 anos sobre a fatwa a Salman Rushdie, em que o radivalismo ialâmico continua a mostrar-se «incontornável ao ponto de nos questionarmos sobre a becessidade de autocencura na abordage à iconografia religiosa islâmica (como aconteceu, por exemplo, com o caso dos cartoons dinamarqueses». O sangue brota de todos os mártires de forma semelhante e o seu reenquadramento trágico não envolve problemas de fé nem de vinfança. Tal oportunidade já os judeus tiveram e ainda hoje lhes sabe a amargo, dispersos, contidos num Estado poderoso mas com um destino bem problemático. Um dia, rodeados das suas virgens oferecidas por Alá, os sobreviventes na terra acabarão por corar légrimas de sangue e de vergonha como entretanto ainda muitos cristão o fazem perante os genocídios que a sua religião cometeu, A Inquisição como uma das mais ferozes forças da cegueira, do dogma e da subversão servida em bandejas de mentira e as Cruzadas, brutalizando povos inteiros os seus lugares de recolha espiritual. *
Sem medo, The Saatchi Galery aborda alguns temas tabu no Islão. Grande parte de outras peças, para além de «Old Persons», muitas peças foram de facto concebidas por artistas da Palestina, Irão,Iraque, Egipto, Tunísica, Líbano, Síria ou Argélia. As mentes que se contariem até um fio de vingança e morte começam a pertencer a uma dimensão que nos escapa, entre espaços sufocantes, apesar de tudo com artistas clandestinos cujo desejo de testemunho passa pelo grito das palavras e das obras, aliás num respeito bem principal por tradições remotas e leituras limpas dos textos sagrados. Aí haverá sempre, por vez oculto, sofrido até à morte, o estado da conição da mulher, tema central da exposição e das reflexões civilizadas e hoje, nas suas faces odiosas, revelando seres sem dreitos, sem o benefício da honra e da sua cidadana.
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* Este texto foi reescrito sobre parte do artigo de Cristina Margato (Expresso/actual) e procura, com excertos, estabelecer a forma laegamente usada pelo autor deste blog.