domingo, janeiro 25, 2009

O POETA E O POLÍTICO, PERPLEXO

Manuel Alegre, poeta antes de tudo, espírito cuja vontade política se tem vinculado ao Partido Socialista, tem ultimamente atravessado, não um deserto, não uma anhara, mas uma certa invernia belicosa, inusitada e chata. A perplexidade tem tomado conta do poeta, aceno de criação próxima ou apelos das esquerdas coloridas. A verdade é que Manuel Alegre tem sido um importante protagonista da vida nacional, entre os factos da glória abrilista até essa hora em que se candidatou à Presidência d República, acabdo por somar um punhado de votos razoável, pérolas para negociar entendimentos e os sinuosos asssédios da esquerda. Tais forças sonham com um partido, o poeta a presidi-lo. Com a sua nobre presença no hemiciclo da Assembleia da República, Alegre está feliz e perplexo ao mesmo tempo. Não pode deixar de lembrar-se do PDR, aventura de Zenha e Eanes. E isso mais o impele para segurar bem a cabeça, rasurando breves declarações. Contudo, ali no seu canto, vai mandando (da esquerda gráfica e bem pensante) algumas setas ao palco do poder, deliciando-se certamente em pensar pela sua mesma cabeça e votando a suspensão do estatuto de avaliação dos professores, novelo imenso inventado pela inamovível Ministra da Educação, fístula do Sistema, método sinuoso e de discutível utilidade científica.
Sócrates, Primeiro Ministro cujo plano já deu frutos em fábricas de componentes sofisticados, já em exportação para 47 países, foi apanhado pelas ventanias da globalização e pela língia viperina de institucional Manuela Ferreira Leite (PSD). O homem tem algumas virtudes, entre as quais a determinação. O destino foi-lhe adverso: o universo financeiro e económico do mundo inteiro, em tempestade apocalíptica, espalhou no caos as peças do velho xadrez lusitano. O Primeiro Ministro tem um barco de pequeno calado, o que aumenta riscos de naufrágio, e tem ainda, pelo que lhe resta, um duelo de cavalheiros com Alegre e, sem contar com mais uma cabala na orla do imobiliário, Sócrates tem de contar com a sentença ensurdcedora ditada por Manuela Ferreira Leite, que o designa assim, crispada e arrogante: «Sócrates não é o salvador da pátria, mas posso garantir, com toda a certeza, que é o seu coveito»
Manuela não tem jeito para a poesia, como se vê, e estes palavrões não auguram nada de bom para uma gestão moderna e pontes de colaboração. Coisas assim inundam no exemplo do Eixo do Mal (TVI) onde os participantes, que sabem tudo e como fazer tudo, desatam em algazarra e graças de uma qualquer encenação snob, chiquérrima intelectualmente. Coveiro de Portugal? Em 2009? Donde vem esta conversa? O Alegre devia chamar a si um aceno pertinente, de mão em cutelo. Esta delicada caricatura do poeta, além de se interrogar sobre futuros partidos e jovens cantando e rindo com as suas fardas e bandeiras verdes, devia soletrar admoestações aos que maculam a dignidade dos outros e procuram enterrar a verdade poética. Nesta imagem singular, desenho de um excelente autor português que já citámos atrás, o poeta está perplexo. Ora a Pátria enche as páginas da sua obra poética er não é justo que ele, tantas vezes empolgado nas lides da revolução, apague a sua voz forte sem desfazer o equívoco de certas metodologias políticas: Coveiro da Pátria? Há grosserias que um poeta não deve ignorar.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

VISCERAIS COMENTADORES DE BANCADA

Considerando o que tem sido afirmado ultimamente sobre Barack Obama e a sua candidatura a Presidente dos Estados Unidos da América, bem como a agudização do entusiasmo por esta personalidade e pelos seus recentes discursos, havia ontem, dia da tomada de posse no cargo alegadamente conquistado com inegável mérito, grande expectativa quanto ao que iria dizer o novo Presidente à Nação e ao Mundo. Em estado de disponibilidade perante a cobertura televisiva que se desenvolvia, ouvi as palavras de Obama e achei-as apropriadas, de uma abrangência forte e até dorida da América, sobre a sua natuureza e o seu poder, além da bem caracterizada esperança na força humana do país para vencer a crise em que se encontra mergulhado. Palavras de esperança, forma cativante, humanismo bem expresso.
Estas impressões, que hoje me foi possível confirmar nas traduções do jornal, pareceram-me, na altura, de uma inteligente obviedade, peça de oratória calorosa, com diagnósticos sintetizados e logo projectados na largueza enunciadora de uma grande convicção no futuro.
Contudo, ontem, pouco depois do discurso e com os seus comentadores a postos, os canais de televisão portugueses abriram debates sobre o acontecimento. Os comentadores nascem como cogumelos e, neste caso, havia dois que nunca tinha visto. Língua não lhes faltava, sem parcimónia nem cuidado analítico. A «ferida» era fresca, as palavras mal tinham acabado de chegar até nós. Mas aquele senhor, aliás como outros que o meu espanto foi solicitando, abocanhavam a prestação de Obama, considerando-a menor, generalista, cheia de lugares comuns, incapaz de ultrapassar o já visto, pobre na alusões a qualquer projecto palpável. Era uma torrente de certezas críticas que só tenho podido apreciar frequentemente após os jogos de futebol. Já nas bancadas, os amantes daquele desporto, assumem credenciais de julgadores, de árbitos, até mesmo de treinadores, quer quanto às escolhas, quer quanto às tácticas. No caso do discurso, ontem, as bancadas tinham enviado comentadores de política (ou temas similares) para os estúdios. Esta natureza azeda e de espúrios convencimentos tem vindo a afirmar-se entre nós, talvez por causa da crise, ou porque os temas sobre as finanças e a economia, na actual incerteza dos números e dos desastres, haja implementado o espaço oferecido aos oportunistas, aos ouvidores, inquisidores e ministros de sentença. Eles aí estão. Mesmo que eu não tivesse percebido nada das palavras sonoras de Obama, ouvir estes críticos só críticos em negatividade, tão apressados e tão convencidos, acabaria por me convencer da minha esperteza, maior do que a deles, alegadamente.

terça-feira, janeiro 20, 2009

JANEIRO, 1980: PATRIMÓNIO NACIONAL

insularidades

Portugal é rico em patrimónios deste tipo, na sua traça final, ao abandono. Este trecho de um rua inteira, resultado de tremor de terra que ocorreu nas ilhas Terceira e Graciosa no dia 1 de Janeiro de 1980. Ninguém pensava que o horror de 1973 se repetisse. Mas aconteceu. Morreram 71 pessoas, houve 400 feridos, e mais de 15 mil pessoas ficaram se abrigo. Rui Ochôa, que se encontrava nos açores, escreveu ara a revista Única que mais de 8o% dos edifícios de traça renascentista ficaram destruídos. A tragédia dava lugar a uma profunda desolação semanas depois da catástrofe. Igrejas, edifícios públicos e habitações sucumbiram a um sismo de 7,2 e tudo indicava que os açoreanos teriam de esperar, entre dores, muito tempo dedicado à rconstrução. Muita população via, uma vez mais, as suas casas destruídas. A emigração para a América colocou-se, de novo a muita gente. Há sequelas, para memória futura, que ainda assinalam o horror daquee dia: eram 16 horas e 42 minutos,

domingo, janeiro 18, 2009

PERGUNTA INQUIETANTE DE MIA COUTO

E SE OBAMA FOSSE AFRICANO?

A partir da época em que conheci aceitavelmente o escritor Mia Couto, nas suas presenças, na sua obra, entre notícias de amigos e colegas, fiquei sempre com a ideia de que ele era um interessante contador de histórias, um surpreendente inventor de palavras, e isso deu-me também a noção de um trabalho antropológico, de um olhar do branco africano capaz de se filiar, pela cabeça e pelo coração, no contexto de Moçambique mais profundo. A verdade é que à medida que ele se notabilizava, viajando frequentemente a Lisboa e mantendo aqui contactos de influência (não estou a falar de tráfico), o retrato que eu fazia deste autor ganhou prolongamentos e próteses intercontinentais, começei a vê-lo, sobretudo por vias mediáticas, por vezes até à saciedade, como entidade capaz de ter um pé em África e outro na Europa, particularmente em Portugal, onde a sua fama tem feito com que instituições várias tenham preterido criadores portuguses, de inegável mérito, a favor de Mia Couto. Há muitas razões para isso, algumas eventualmente louváveis, e por certro as sequelas da memória colonial, das guerras, entre sentimentos de artistas por lá abandonados ou minimizados apesar da vontade de os tornar parte do espaço lusófono. Devagar, e muito depois de Mia Couto, chegaram outros, Pepetela, Rui Carvalho, vários, incluindo a comunicação via Internet.

Que faria Obama em Moçambique?

Mia Couto publicou (ou publicaram-lhe) um oportuno artigo na revista/única (17.01.2009), sob o título E se Obama fosse africano? A redacção da revista publica uma pequena nota que diz ter o escritor moçambicano assistido com reservas às reacções eufóricas com a vitória de Obama (presume que em Moçambique, ou África em geral). A desconfiança é justificada porque, como dizia Franz Fanon, a passagem súbita de populações ocupadas e primitivas à contemporaneidade (na sua expressão técnico-cultural) provocaria grandes tragédias e difíceis assentamentos de identidade. Se a descolonização portuguesa foi lenta e desatrada, as outras todas (muito resultantes de concepções desemcadeadas após o termo da segunda Guerra Mundial) não evitaram sequelas por vezes hediondas. Os regimes nacionais, um pouco pouco por toda a parte, em África, cristalizaram em ditaduras impensáveis e prioridades militares paralisantes, as guerras civis e tribais sucederam-se e os países (que nunca lhes ocorreu alterar as fronteiras coloniais) regrediram até situações inenarráveis: a riqueza de Angola não reedifica a justiça política e social, Moçambique precisava de ter petróleo e menos insidiosos racismos. Ruanda e Uganda escusavam de consumar em três meses um dos maiores massacres da história humana (800.000 mortos), a África do Sul já deveria ter menos assassinos nas ruas, a Guiné sobrevive entre golpes de Estado e ditadores inconsequentes, o Zimbabwue pertence a Mugabe mesmo que ele sobreviva ao último habitante, o Congo, que já teve um dono inominável, desfaz-se em pedaços e carnificinas. Exemplos que não esgotam esta verificação breve.


Com mais brandura, o que se compreende, Mia Couto, aliás também preso pelo tema, reconhece esta realidade e é dela que parte para fazer a pergunta sobre Obama. Para ele Obama não teria o menor espaço de manobra em África, incluindo Moçambique, seria agredido, preso e sabe-se lá que mais. O escritor sublinha: «Os Bushes de África não toleram a democracia». A odiada América ainda consegue gerar estas ondas de combate aceitável, a riqueza de debates e de complexas escolhas. A esperança em Obama é por boas razões mas ele próprio já relativizou (no centro da crise mundial) o poder das soluções. Mia Couto conta que o Zambiano Keneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país como filho de malawianos». As raças africanas (já lá foi o tempo em que se dizia que a África é para os africanos) combatem-se a este nível, do geral ao particular, e os senhores do poder, sentados em montanhas de armamento, decretam as exclusões, as discriminações, os massacres.

Ora Obama não é africano e a sua cor de mulato também leva à exclusão, nomeadamente numa hipotética (impossível) campanha eleitoral. Hitler queria a pura raça ariana. Certos líderes em África parecem defender uma «pureza africana». O absurdo é tremendo porque os africanos são diferentes entre si, dividem-se em raças e étnias (com fronteiras erradas) e quase todas elas se hostilizam entre si. Mia Couto ameniza compreensivelmente (e com algum conhecimento de causa) a paisagem apocalíptica de África. Diz: «existem excepções neste quadro generalista» e acena com o bom desempenho de Moçambique. Se é verdade que em Moçambique não há uma guerra arrasante, muitos sabem como pensam certos líderes, deputados, senhores do poder. O verniz não isola interiores, inflamações. E em Maputo quebra-se a toda a hora, vertendo purulências nas ruas. Mia Couto, sabendo que o entusiasmo dos africanos por Obama seria esmagado à primeira veleidade (clonada) de actuação semelhante à que acabou de terminar com êxito, escreve avisadamente: «No mesmo dia em que Obama confirmava a sua condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África». E anuncia, para os próprios iludidos a antiga Metrópole: «África continua sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmuserada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo»

Este corajoso depoimento de Mia Couto termina com palavras de esperança, imaginando o tempo em que todas as entnias e raças africanas terão oportunidade de celebrar, na sua casa, «aquilo que agora festejamos em casa alheia». Só não faz a estimativa de quantas gerações terão de ser sacrificadas para que isso aconteça. Seja como for, e por isso a ferida dos que viveram África não sara, esse Continente, possível salvador de outros excessos, é ensurdecedoramente belo, fica-nos no sangue, é património da humanidade, deveria ter um destino ecuménico e nunca ser poaauíso pelo sistemas do crescimento sempre. Talvez seja consolador imaginar um não crescimento equilibrante, sem metrópoles gigantescas, nel lixos asfixiantes, nem terras apodrecidas, nem fomes e doenças aterradoras.
A Terra perdeu um minuto na sua própria velocidade de rotação.

domingo, janeiro 11, 2009

A BELA INICIAÇÃO DA ACTRIZ SOFIA ESCOBAR

Sofia Escobar
Leio jornais, naturalmente, cito jornais, obviamente. Mas desta vez não me sinto tentado a recortar a tragédia que nos envolve um pouco por toda a parte. Apetece-me antes, depois de conhecer Sofia Escobar na capa da revista Actual Expresso. Fui ler porque ela me fitou como se me conhecesse de há muito tempo. E a sua história, que é muito bonita, exemplar a vários títulos, ajuda-nos a acreditar nas pessoas e deixa-nos ficar gratos ao texto sensível de Ricardo Marques, enviado especial a Londres, com o fotógrafo Tiago Miranda, porque desta vez o jornal teve gente que pensou quantas prioridades destas costumamos perder pela força de populismos menores e vícios redutores da cultura que também nos cabe.
Sofia Escobar é uma jovem de 28 anos que, sem perder o fio à meada, resistiu sempre a amordaçar a sua vocação de actriz e cantora lírica. Teve, sobretudo no pai, em Guimarães e contra a sua timidez, determinação para prosseguir o apelo profundo que a envolvia.
Entre as revelações da infância, a primeira aventura, e mais tarde uma escolha que misturou os estudos e o canto, Sofia viu-se compensada, aos 18 anos, a frequentar o Conservatório do Porto, auto-suficiante, ofuscada pela pela trepidação da cidade, um ambiente com música por todo o lado, as aulas, gente nova, sonhos em volta.
Arrisca a partir para Londres. O seu amigo Fernando aconselhou-a a partir. Agora, em Inglaterra, estão no primeiro andar onde Sofia mora com o namorado, também actor. Ela evoluiu muito como actriz. Fernando considera que ela é uma profissional extraordinária, confiante e extraordinária. Ao falar a Ricardo, a actriz «lembra os dias em que comiam arroz com ervilhas três vezes ao dia, por não haver dinheiro para mais nada, noites perdidas a trabalhar como empregada de mesa, dos cereais com leite e dos bairros perigosos onde moraram».
Em um dia, na procura esforçada, Sofia reparou num anúncio de jornal para audições destinadas a recrutamento qualificado para participação no «Fantasma da Ópera». Foi escolhida, depois de oito meses de audições e testes. Como conta o jornalista, o pai de Sofia viajou de Portugal para a estreia e chorou do início ao fim.
Tudo isto é mais do que sonho: é vontade, vocação, capacidade de lutar e vencer obstáculos, entre afectos e uma decisiva integração no meio. O que Sofia faz não apenas profissionalmente, ou sempre fez, entrando pela multidão, criando pausas, instantes a contemplar o Tamisa e sempre a batalha pela identidade artística.
Enfim, os capítulos desta jornada sucedem-se de forma incisiva, talvez antecipando muito mais coisas. Sofia está a assumir o papel de Maria, «a doce rapariga que se apaixona pelo maior rival do irmão no musical WEST SIDE STORY» As diferenças do que se comenta abaixo, são ensurdecedoras. «Maria acaba a peça de arma em punho, sem namorado nem irmão, ambos vítimas da guerra entre os Jets e os Sharks, dois grupos na Nova Iorque dos anos 50.
Haveria muito mais para dizer sobre a sensibilidade e a actriz, esta portuguesa que talvez anuncie uma geração com minorias de grande valor e às quais o país tem que prestar a melhor das atenções. Há cerca de um mês, esta jovem portuguesa, cuja viagem pelo estudo e pela prestação de reconnhecida actividade profissional se mostrou desce cedo muito relevante, foi nomeada para a categoria de Melhor Actriz de Teatro Musical na votação do site whatsonstage. Trata-se de um facto que nos deve merecer o maior interesse: porque ela já ganhou na própria nomeação. A selecção foi feita por críticos e está aberta ao público até 31 de Janeiro.

sábado, janeiro 10, 2009

OS IMPERDOÁVEIS MUSICAIS DE FELIPE LA FÉRIA


Não saberia fazer melhor e por isso (por achar culturalmenre relevante) transcrevo parte da crónica que Alberto Gonçalves publicou na «Sábado» (8.01.09) a propósito das produções de La féria em music-hall e similares, obras que cavalgam imperdoavelmente algumas grandes realizações no cinema e no palco.
Embora Alberto Gonçalves (sociólogo) comece por afirmar que não lhe parece difícil cimpatizar com Felipe La Féria, sobretudo «quando enfurece as luminárias do nosso teatro sério», acresnta pouco depois «como custa manter a simpatia quando pensamos no teatro que ele próprio faz.»


do texto Juizo Final:
«Há dias vi na televisão uma reportagem sobre o West Side Story segundo La Féria. Quer dizer: percebi tratar-se do West Side Story porque o disseram explicitamente. De resto, nada o levava a crer. Dos cenários às coreografias, das interpretações à orquestração, os vestígios do original eram dúbioa, e isto sou eu a ser delicado. No máximo, reconheci a cena da varanda, em que dois jovens talvez tentassem cantar Tonight e um pedacinho de America, no qual o título rimava com histérica e pindérica.
«Mesmo que a redução de uma maravilha do teatro nusical ao Sabadabadu não seja grave, é um sintoma da tendência nacional para emprestar a tudo o que tocamos um peculiar toque de amadorismo, um ar de pastiche desajeitado do que daz "Lá fora". Cá dentro, faz-se o que se pode e, pelo que se constata nos espectáculos, nas artes, nas letras, na arquitectura, e, se quisermos alargar o leque, na economia ou na política, não se pode grande coisa. Grosso modo, o País está para o mundo civilizado como o carnaval de Ovar está para o do Rio, uma imitação ingénua que, não obstante, chega e sobre para nos sonsolar.
«Aqui, no consolo, o factor fundamental é a portugalidade. É claro que La Féria, o teatro "alternativo" que temos e o engº Sócrates seriam escassamente considerados em qualquer outro lugar do Hemisfério Norte. Para portuguses, porém, impõ-se admitir que não são maus. Para portugueses, aliás, ninguém é mau, mesmo os que são péssimos de acordo com os restantes critérios, Além de exibir a baixíssima conta em que os portuguses se têm, isto prova que a conta é a apropriada»
Procurando minimizar esta visão sombria do português, Alberto Gonçalves evoca personalidades que escapam à nossa menoridade genética, e considera que «há excepções à mediocridade sentida» e, nesse sentido, aponta (sem nomear senão Amália) os que, «graças ao rigor, ao talento, à inspiração ou ao que quer que os distinga, não parecem portugueses (apenas na literatura, Pessoa e Eça são bons exemplos) E há, que me ocorra, uma única excepção às excepções: chamou-se Amálias Rodrigues, era integral e visceralmente portuguesa; e, ainda assim, roçou a perfeição. O mistério de Amália consistir justamente em conciliar o que, por definição, não é conciliável, leia-se Portugal e o génio»
Mais à frente, depois de zurzir com paciência à direita e à esquerda, incluindo falas, cerimónias oficiais, filmes biográficos, Alberto Gonçalves esclarece: «Não é disso que falo. Falo de regressar sem intermediários ao significado daquela vez, tão explicável que português nenhum é capaz de a merecer ou macular. E olhem que, conforme as homenagens, muitos tentam. E, naturalmente, La Féria já tentou»


Terminamos nós, em rodapé, a fim de que tanta desgraça não nos afunde: é que, ao que parece, há frente de cada português está sempre um abismo. Fiquemos perto de Amália, que quase roçou a perfeição, e consideremos La Féria um artesão megalómano do teatro de revista à portuguesa