sábado, novembro 29, 2008

A SAUDOSA AIA DA RAINHA CARLOTA JOAQUINA




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Sob o desconforto da chuva, olhando um céu de chumbo, volto à leitura dispersa dos jornais, restos do mundo, tempestades, ventos bárbaros, e acabo por encontrar, meio escondidos sinais criadores de algum júbilo: Alexandra Carita escreve sobre Filipa Martins, cujo primeiro livro que escreveu logo lhe valeu o Prémio Revelação da APE 2005. («Elogio do Passeio Público»). É-nos dito que Filipa «criou uma imagem forte de si. Nela mistura determinação com o que julga ficar-lhe bem. Mas o seu retrato só brilha quando deixa cair a máscara». Alexancra esconde os problemas do êxito neste improvável jogo da máscara, pois sem ela, nos dias que correm, dezenas de livros, de autores com talento, irão passar desapercebidos por todas as APE do país, malditos antes de o serem de facto, deslidos por editoras que não sabem o que querem ou andam a imitar os bancos, comendo-se umas às outras e publicando muito de pouca qualidade. Aliás, o artigo sobre Filipa Martins não aborda o livro nem favorece verdadeiras pistas para sabermos do seu real valor. Porque não basta dizer-nos que a autora «sabe justificar a estrutura da narrativa, a consistência de cada personagem, a construção frásica, a linguagem, o conteúdo mais supérfluo e mais profundo», completando entretanto esta espécie de retrato de alguém que viaja pelos vários continentes, licenciou-se em jornalismo e mostra o maior entusiasmo pelo programa televisivo em que trabalha, «Imagens de Marca», a par do fascínio pelo mergulho e pela fotografia (aquática, presumimos).
Assim mais esclarecidos sobre uma maneira de fazer jornalismo, lemos ainda que Filipa «voa de braços abertos quando conta de uma só vez toda a história do romance que escreveu sob a orientação de um professor faculdade e logo lhe valeu o Prémio Revelação da APE» (o sublinhado é nosso).
Penso nos escritores para si mesmos sonhando, talentos cuja criatividade vai ficando encoberta pelo desacerto com as regras das editoras agrupadas, cada vez mais semelhantes aos bancos de «todos os tráficos», deslendo obras virginais e anunciandoras de novas vozes. Um amigo meu, que tentou a primeira edição do seu primeiro livro em editora conceituada, recebeu os maiores elogios do director e o original ficou nas mãos dele, muito experiente, que lhe disse seis meses depois:«Meu caro amigo, o seu livro é notável a todos os títulos. Mas lamento dizer-lhe que não o posso publicar. Apesar da sua belíssima forma, não o posso publicar porque hoje já não se escreve assim».
O jornalisno possível, ao conceder duas grandes páginas ao sucesso de Filipa Martins, aflorando apenas envolvências de infância e outros aspectos do bem humorado feitio da autora emergente, poderia ter tocado menos nas circunstâncias ditas e um pouco mais nos céus obscurecidos que os mercados implantam nos crânios dos editores. Seja como for, ficámos a saber que Filipe obteve o seu refúgio em Queluz ou em Sintra (ela também não sabe) num espaço acolhecor onde terá vivido a saudosa aia da Rainha Carlota Joaquina.

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